As restrições de mobilidade impostas pelas autoridades, devido à Covid-19, que duram há um ano, e as “más políticas económicas” – que duram há 45 anos – são apontadas por vendedores e clientes dos mercados de Luanda como as principais razões da “subida vertiginosa” dos produtos da cesta básica, no último ano.
Vendedores e consumidores afirmam que, em um ano de pandemia, os preços dos principais produtos de consumo, sobretudo os da cesta básica, dispararam mais de 100%, “rogam” pelo fim da pandemia e manifestam nostalgia do tempo pré-Covid-19. No entanto, importa reconhecer, os aumentos dos preços nos produtos básicos, no âmbito do “novo” programa de self-service (recurso livre e ilimitado aos caixotes do lixo) implementado pelo MPLA, foram substancialmente menores
As vendedoras contam que desde que foi notificado o primeiro caso de cCovid-19 em Angola, a 21 de Março de 2020, os preços registaram sempre um percurso ascendente e as restrições da mobilidade de pessoas e viaturas pelo interior do país agravou a sua condição, reduzindo, por isso, os seus rendimentos.
“As vendas estão um pouco difíceis, o negócio não anda. No meu caso, há dias que regresso a casa tal como saio”, contou à Lusa Maria da Conceição, vendedora de utensílios domésticos, copos, pratos, tigelas, no mercado dos Kwanzas.
Três chávenas, que antes da pandemia eram vendidas ao preço de 1.000 kwanzas (1,3 euros) são hoje comercializadas a 1.500 kwanzas (2 euros) e Maria da Conceição admite que a Covid-19 teve implicação directa nos actuais preços.
“Porque muitas vezes os compradores vinham de outras províncias. Agora, como as viagens estão limitadas as coisas estão paradas. Por dia, às vezes, tenho apenas um cliente e há dias que nem sequer clientes tenho”, lamentou.
Na bancada de Madalena Manuel António, também no mercado dos Kwanzas, município do Cazenga, em Luanda, um litro de óleo está a ser comercializado entre 1.300 kwanzas (1,7 euros) e 1.500 kwanzas (2 euros), o dobro do preço anterior, enquanto para o quilograma de feijão o preço “triplicou”. Tudo normal. Aliás, o Titular do Poder Executivo tem conhecimento directo desta situação porque a esposa vai muitas vezes a estes mercados abastecer a sua cesta básica…
“Antes, o litro de óleo era 500 kwanzas [0,6 euros] e 600 kwanzas [0,8 euros], agora está 1.500 kwanzas [2 euros]. O quilo de arroz era 250 kwanzas [0,33 euros] e agora está a 550 kwanzas [0,7 euros], o feijão era 350 kwanzas [0,46 euros] e agora está a 1.200 kwanzas [1,6 euros]”, disse.
Esta vendedora reconhece que os preços “aumentaram muito” e, em consequência, reduziram-se também os clientes, que reclamam dos preços elevados e do “fraco poder” de compra que lhes permite os seus salários.
“Nesta bancada posso vender diariamente um valor de até 15.000 kwanzas [20 euros], mas insuficiente para repor o negócio, porque a procura é baixa”, lamentou.
As vendedoras apontaram também a “escassez” do produto devido às restrições da mobilidade, a nível de viaturas e pessoas, já que a capital angolana está sob cerca sanitária imposta pelas autoridades, desde maio passado, visando travar a propagação da Covid-19.
“O nosso negócio [animais vivos] vem do interior do país, dependemos dos viajantes, mas poucos carros agora estão a circular e, por isso, os preços estão altos”, disse Judite António, comerciante há cinco anos.
Segundo a vendedora, no seu último ano de actividade comercial, na vigência da pandemia, as vendas baixaram consideravelmente, por falta de clientes. Em contrapartida, os preços de cada pedaço de carne aumentaram.
“Vendemos os pedaços entre 1.000 kwanzas [1,3 euros] e 1.500 kwanzas [2 euros], antes da pandemia vendíamos o pedaço a 500 kwanzas [0,6 euros], a miudeza 200 kwanzas [0,2 euros], mas agora estamos a vender 500 kwanzas [0,6 euros]”, notou.
Os fornecedores de bebidas espirituosas alteraram os preços e os retalhistas, em busca do lucro, também subiram os preços no mercado, conforme fez saber a vendedora Rute Dionísia, lamentando os “males da pandemia” no seu ofício.
“Bastante agastado” com os actuais preços praticados nos distintos mercados de Luanda está o reformado Beto Serrote, 67 anos, considerando que os preços subiram na razão de 300%, sobretudo devido ao que classificou como “más políticas económicas do Governo”.
“Sempre gastei menos, mas agora não, agora gasto mais do que o meu salário e as vezes até passo fome. Era bom que se revisse a política económica do país para que os preços baixassem”, defendeu.
Para este consumidor, Angola “precisa de dirigentes sérios” de forma a inverterem a actual situação: “Antes da pandemia até compensava, mas depois as coisas começaram a subir vertiginosamente”, referiu.
No ano passado, a inflação aumentou para 22,3% face aos 17,1% registados em 2019, segundo a consultora NKC African Economics que antevê uma subida dos preços de 22,4% este ano, desagravando para 14,5% em 2022.
As (novas) lojas do Povo
Se os angolanos não morrem em maior quantidade, a culpa não é de um Governo que está no poder há 45 anos e que está a fornecer-lhes todos os dias, a todas as horas, instrumentos para terem sucesso… Ao que parece o Covid-19 não teve êxito neste aspecto, ficando a longa distância da estratégia do MPLA que ensina os angolanos a viver… sem comer!
Há quem afirme que são cada vez mais as vozes que dentro do MPLA – fora já sabemos que é verdade – estão a mostrar o seu descontentamento com as políticas do “querido líder”. Será? É que a resposta aos contestatários (Fraccionistas? Estrangeiros? Marimbondos?) passa por acusações de corrupção, confisco de bens etc. e, também no MPLA, quem tem mataco tem medo.
Talvez estejam, aos poucos, a ver que sua majestade o novo rei, João Lourenço, não tardará (mais pela razão da força do que pela força da razão) a recorrer aos ensinamentos do seu guru e herói mundial, António Agostinho Neto, não perdendo tempo com julgamentos.
Parece-nos, contudo, que essas afirmações, suposições ou desejos sobre uma eventual revolta são apenas treta. Treta que por ser congénita no MPLA mostra como os seus dirigentes são muito fortes com os fracos. Dizem-nos que o nepotismo do actual “escolhido de Deus” atingiu um descaramento tal que há altos dirigentes que ameaçam bater com a porta e sair. João Lourenço não acredita. Ele conhece bem quão cobardes são os seus pares. Por alguma razão ele próprio, enquanto vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, “amputou” a coluna vertebral para estar sempre de acordo com José Eduardo dos Santos.
De facto é difícil acreditar que existam dirigentes que digam que querem sair, que pedem para sair. Isto porque só pede ou ameaça sair quem, afinal, quer ficar. Quem quer de facto sair… sai.
Esta nossa convicção e modo de vida (que, reconhecemos, apenas servem para nos colocar na linha de fogo), reforça a ideia de que na primeira fila do teatro da vida política dos angolanos, mas não só, está a subserviência, a bajulação e o eunuquismo colectivo ou individual.
E essas “qualidades” do MPLA estão na primeira fila, na ribalta, porque querem ser vistas. A competência, a independência, a luta por causas, o estar na política par servir e não para se servir, essa está (quando, apesar de estar em vias de extinção, ainda aparece) lá atrás porque – modesta como sempre – apenas quer ver. E, hoje, apenas ver não chega. É preciso agir, enfrentar, dar a cara. Tê-los no sítio.
Um amigo, dos que está cá atrás (é do MPLA porque ninguém é perfeito), diz-nos que um dos que está lá na primeira fila pediu para sair, ameaçou demitir-se. Dito de outra forma, pôs o lugar à disposição. Ao justificar que essa atitude é bem nobre, o nosso amigo teve de mudar de lugar e ir bem mais lá para a frente…
No entanto, ao questionar a alusão à mudança de lugar, o nosso amigo mostrou que é dos que pode e deve ficar cá atrás. Se entre a ignorância e a sabedoria só vai o tempo de chegar a resposta, só alguém inteligente é capaz de esperar pela chegada da resposta.
Os que sabem tudo, esses estão na primeira fila. Por isso, nas reuniões do MPLA, mesmo que não esteja presente sua majestade, as primeiras filas são sempre pequenas para albergar todos quantos lá querem estar.
Cá atrás estão igualmente os que entendem que se um jornalista não procura saber o que se passa no cerne dos problemas é, com certeza, um imbecil. Ainda mais atrás estão os que consideram que se o jornalista consegue saber o que se passa mas, eventualmente, se cala é um criminoso. Mas estes, enquanto Angola não for uma democracia e um Estado de Direito, não servem para nada.
É por isto que os membros do Governo, do partido, da Polícia, das Forças Armadas estão sempre na primeira fila. Se uma nação com amor próprio não anda de mão estendida, Angola não é (ainda) uma nação, tantas são as mãos estendidas na esperança que sua majestade as contemple com um prato de lentilhas.
E para que um cidadão não ande, apesar da barriga cada vez mais vazia, de mão estendida, o melhor que tem a fazer é – segundo as teses oficiais – aprender a viver em silêncio, sem comer ou, em alternativa, estender a mão mas tendo entre os dedos o salvo-conduto emitido pelo MPLA e com acesso às modernas lojas do Povo: os caixotes do lixo.
Certamente que João Lourenço nos dirá, tal como nos disse José Eduardo dos Santos durante 38 anos, que o seu governo está a fazer o que pode para minorar o sofrimento dos angolanos, nomeadamente dos 20 milhões de pobres.
Se os angolanos cumprirem o que quer o regime não voltarão a erguer-se, mas permitirão que o dono do país continue bem direito e a viver à grande, seja onde for.
João Lourenço, directamente ou através dos seus sipaios, diz que à oposição começa a faltar imaginação para mostrar que o país ficará melhor com ela. E até tem razão. A oposição, que também adora estar na primeira fila, parece ser mais um saco de gatos selvagens do que algo consistente e alternativo.
De facto a oposição não está a trabalhar para os milhões que têm pouco ou nada. Está, isso sim, a trabalhar para os poucos que têm milhões na esperança de também serem bafejados com a entrada nesse rol de angolanos de primeira.
E, assim, os angolanos não vão andar de mão estendida (têm orgulho próprio) e vão conseguir atingir o desiderato requerido pelo Governo, correndo todos a apoiar os que estão na primeira fila.
Como? Morrendo, por exemplo. Se o não fizerem, a culpa não será com certeza do Governo porque este está a fornecer-lhes todos os instrumentos para terem sucesso…
Folha 8 com Lusa